Financiamento climático precisa chegar até comunidades indígenas

Sabemos que as áreas florestais em territórios indígenas possuem taxas de desmatamento muito menores que áreas não protegidas. Um levantamento de 2023 do MapBiomas mostrou que as terras indígenas perderam menos de 1% de sua área de vegetação nos últimos 38 anos, enquanto nas áreas privadas, a devastação foi de 17%.

Apesar da proteção florestal, o estado e o mercado pouco tem feito para financiar iniciativas de preservação dentro dos territórios. Em declaração recente, o CEO Global do Fundo para o Meio Ambiente, Carlos Manuel Rodriguez, alertou que menos de 1% da ajuda internacional para lidar com o aquecimento global vai para comunidades tradicionais e povos indígenas.

Reportagens recentes mostraram a situação de calamidade e fome dentro de reservas ianomamis ameaçadas pela presença de garimpo ilegal. De acordo com o Ministério da Saúde, 5 mil indígenas da etnia passavam fome em Roraima. Outras 570 crianças teriam morrido nos últimos quatro anos por não terem o que comer.

Não só os Ianomamis são vítimas do flagelo. Um levantamento da Fiocruz mostra que 62% das crianças guaranis vivem abaixo da linha da pobreza. A última pesquisa do Banco Mundial sobre a situação social dos povos indígenas na América Latina revelou um padrão persistente de exclusão social. Eles representam cerca de 14% dos pobres e 17% dos extremamente pobres, apesar de representarem menos de 8% da população.

Além disso, o custo da proteção das florestas, que interessa não só às comunidades tradicionais, mas como todo o planeta, tem ficado nas mãos dos que menos recursos

têm para se defender das ameaças que cercam os territórios.

O último relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostra que em 2022, 47 pessoas foram assassinadas por conflitos de terras. Um crescimento de 30,55% em relação a 2021 (36) e 123% em comparação com 2020 (21). Das pessoas assassinadas, 38% eram indígenas, o que totaliza 18 casos. Em seguida, aparecem trabalhadores sem-terra (9), ambientalistas (3), assentados (3) e trabalhadores assalariados (3).

O desenvolvimento de projetos de crédito de carbono em territórios indígenas é uma das alternativas encontradas para que o financiamento climático chegue a comunidades vulneráveis. É claro que precisamos destacar que isso deve ser feito respeitando o direito dos povos tradicionais, seguindo as normas internacionais de Consentimento, Livre, Prévio e Informado (CLPI).

Além disso, a utilização de estudos antropológicos de cada etnia e território para aplicação deste importante processo e o uso de legal design para a elaboração de contrato, são ferramentas fundamentais, junto à participação do Ministério Público Federal e entidades voltadas à proteção dos territórios, para que essa construção seja transparente e promova desenvolvimento humano nos territórios.

Há exemplos internacionais de sucesso onde comunidades indígenas, financiadas por projetos de crédito de carbono, que tiveram suas realidades transformadas após a implementação da iniciativa.

Regiões onde a diarreia era endêmica por falta de água tratada, receberam sistemas de abastecimento de água. Embarcações, habitações, unidades de saúde, pagamento de cursos de graduação e pós-graduação foram financiados por meio destes projetos. Comunidades antes em situação de vulnerabilidade, hoje já têm a capacidade de se organizar em torno de recuperação de áreas florestais e manguezais.

E não é só isso. As iniciativas precisam, além de respeitar os direitos indígenas, dar lhes autonomia na gestão dos recursos, fortalecendo suas governanças internas, dando oportunidades de escolha por investimentos em uma série de negócios verdes.

Exemplos não faltam: desde o artesanato ao etno e ecoturismo, dentre tantos outros, tudo isso valorizando os costumes e tradições, preservando as florestas e gerando renda de uma forma que faça sentido para cada comunidade.

E o potencial é muito grande. De acordo com informações no site do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), a Amazônia Legal brasileira possui 501,3 milhões de hectares, com estoque de 49 bilhões de toneladas de carbono. Estima-se que nas florestas localizadas dentro dos 101,5 milhões de hectares nos territórios indígenas estejam 12,9 bilhões de toneladas desse total.

Além da proteção das florestas nativas, por si só, um serviço ambiental que é de suma importância, o tema de bioeconomia e cadeias de suprimentos de produtos da floresta em pé tem ganhado relevância.

Toda essa dinâmica bioeconômica coloca o mercado de carbono não apenas como um dos caminhos para tirar essas comunidades das situações históricas de vulnerabilidade, mas também, as fortalecendo na proteção territorial e auxiliando na construção de base de conhecimento para que prosperem mantendo suas tradições e costumes.

Todo esse patrimônio protegido pelas comunidades têm potencial de ser utilizado na conservação das florestas e na garantia de desenvolvimento humano das comunidades indígenas no Brasil. Basta o mercado voltar seus olhos com um pouco mais de atenção para quem mais precisa e para quem realmente defende o maior patrimônio natural do planeta.

Cristiane Vancine Leme, diretora geral da Biofix

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